ASSUNTOS IMPORTANTES

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É engraçado como discutimos sobre o racismo em várias áreas da sociedade e não paramos, muitas vezes, para analisar o quão preconceituoso é a área amorosa e dos relacionamentos. Quantos casais em que um é negro e o outro é branco você conhece? Qual é o seu nível de estranhamento diante dessa situação?

Eu nunca havia parado para pensar sobre isso. Até acontecer comigo. Negra, pobre, brasileira, cabelo black power solto aos ventos e uma fiel apaixonada pela cultura negra e, por gente negra em si. É claro que é impossível existir racismo reverso – e não vou entrar nessa discussão – mas eu já estava quase me tornando uma racista amorosa, por opção. 

Para mim só haveria possibilidade de eu ser feliz em um relacionamento, se fosse com um cara negro e pobre como eu, de preferência da área de humanas. Ignorância? Talvez. Uma ignorância enraizada por discursos que eu ouvi desde pequena. Minha avó uma mestiça casada com um homem negro, cansou de me “alertar” sobre os “problemas” de se casar com um branco. “Ele não vai te respeitar”, “ele vai se achar superior”, “eu acho que tem até mais riscos de ele te bater”, “a chance de dar certo com alguém igual a você, é bem maior”, dizia ela durante uma conversa e outra. E eu acreditei. 

Homem bonito para mim era só homem negro. Beleza para mim era só a negra. Casar? Depende, se ele for negro, intelectual e de boa família. Negro era o fator predominante. 

Se você chegou até aqui, e achou completamente normal o meu discurso. Como eu achava. Experimenta inverter as posições. Experimenta imaginar uma família de brancos, classe média alta, loiros de olhos azuis, conversando sobre como um negro seria um “problema” durante o casamento. Ou como casar com outro branco, classe média, loiro de olhos azuis seria bem mais aconselhável e sábio. Agora sim, parece que estamos falando de preconceito. 

O preconceito existe das duas formas. O preconceito existe de todas as formas possíveis. E eu acho isso abominável para a evolução humana, acredito que não seja apenas eu que pensa assim. Mas no amor? Por que eu negra não “mereço” um “branco”? Como se a pele branca dele valesse mais do que a minha. Por que eu tenho que me apaixonar mais pelos negros como se fosse um “contente-se com alguém da sua raça” ou por que quando um branco se apaixona por uma negra todo mundo automaticamente pensa, “eu já até imagino como ela ‘fisgou’ ele”?

A ignorância não para aí. Uma professora minha chegou a dizer, não só para mim, mas para toda a turma, que geralmente, um negro ou negra se casa com um branco quando é muito bonito ou com um corpo escultural no caso das negras. E “as negras e negros feios”, como ela disse, casam com outros negros feios. Consegue entender o absurdo desse discurso?

A situação é tão catastrófica que as pessoas realmente se sentem na razão de achar que uma pessoa negra não merece estar com uma pessoa branca ou vice versa. Um exemplo disso, foi o caso da jovem negra, que não teve o nome divulgado, apenas as iniciais (D.M) e seu namorado de pele branca (L.F). Os jovens postaram uma foto abraçados, como qualquer outra foto de casal. Os jovens de Minas Gerais receberam comentários que ouso dizer extrapolam a questão do racismo – permita-me ser ignorante -, chega ser caso de burrice aguda. Os comentários começam com “Onde compro essa escrava”, vai ao nível de “...eu acho que você roubou o branco para tirar foto” e termina com “se ‘meche’ vira Nescau”. Bom seria dizer, que esse absurdo é um caso isolado e não acontece em outros lugares, bom seria dizer que atualmente é normal uma mulher negra namorar um homem branco e vice-versa sem sofrer esse tipo de constrangimento. Mas não é. E o pior, o estranhamento vem das duas partes – comunidade branca e negra. Discutir quem começou com essa filosofia racista, também não é meu objetivo aqui. 

Esse é o contexto, que eu vivo. E para mim, foi completamente absurdo compreender, como eu, negra, pobre, brasileira, sem corpo escultural e sem beleza estonteante – e não morro de tristeza por isso – consegui me apaixonar por um branco, olhos azuis, classe média e americano, e mais, ser correspondida. Lógica humana explica essa para mim esse acontecimento, por favor?

Bem, felizmente, a lógica é simples, mas o preconceito cega a gente. O discurso racista nos condiciona. E é nesse ponto que quero chegar. O racismo não faz sentido em nenhuma área social, mas nos relacionamentos, é inquestionavelmente uma perda de tempo. 

Primeiro porque ninguém controla por quem vai se apaixonar e segundo porque o amor vai além da cor da pele, e essa é a beleza da vida. E se me permite uma terceira colocação eu afirmo que a mistura é o que dá beleza aos seres humanos. Afinal que graça teria a vida se todos fossemos praticamente casais de gêmeos, idênticos, produzindo filhos idênticos que se casam com outras pessoas idênticas? Não foi assim que o Brasil foi construído. Não tem de ser assim. 

Eu mereço ser respeitada em qualquer lugar e por qualquer pessoa, como um ser humano, independentemente da minha pele. E mereço e posso ser amada SIM, independentemente da minha pele. E se acontecer eu posso casar com um branco, negro, amarelo ou índio, independentemente da minha pele. Por que o amor vai contra toda e qualquer razão racista. E que bom que ele [o amor] realmente existe, para lembrar as pessoas que o que importa é o que temos dentro de nós. Para me lembrar disso. Eu hoje sei disso, mas primeiro tive que me apaixonar por um cara branco. E provar, finalmente, que minha vó, minha professora e, até mesmo eu,estávamos erradas.


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